Há 37 dias, dezenas de estudantes ocupam a reitoria da Universidade Federal de Rondônia, em Porto Velho, em protesto contra problemas na estrutura dos sete campi da instituição. Alunos e professores, em greve há 58 dias, reclamam da falta de laboratórios, equipamentos, cadeiras nas salas de aula e até de papel higiênico e água potável. Os manifestantes apontam supostas irregularidades na gestão do reitor José Januário de Oliveira Amaral e pedem a saída dele. O conflito se intensificou depois que a Polícia Federal foi chamada para conter os protestos e prendeu um professor.
A 3 mil quilômetros de Porto Velho, alunos da Universidade de São Paulo (USP) entram hoje no terceiro dia de greve, depois de ocuparem a reitoria por uma semana, e reivindicam a retirada da Polícia Militar do campus. Os estudantes pedem também a saída do reitor, João Grandino Rodas.
Em comum, os protestos nas duas universidades públicas mostram a União Nacional dos Estudantes (UNE) marginalizada na mobilização dos estudantes. Comandada há 20 anos pelo PCdoB, em parceria com o PT, a maior entidade estudantil do país não foi protagonista. As duas greves têm em suas lideranças jovens descolados da política partidária -, como o Movimento Estudantil Popular Revolucionário, em Rondônia, e o Movimento Negação da Negação, em São Paulo, - ou organizados em torno de bandeiras de partidos como PCO, PSTU e PSOL.
Professor de antropologia da federal de Rondônia e integrante do comando de greve, Adilson Siqueira comenta: "A UNE nem apareceu por aqui. Eles são governo." Siqueira relata problemas nos campi e diz que os alunos do curso de Medicina têm de limpar o laboratório de anatomia, já que faltam funcionários. O vestibular para alguns cursos, como engenharia elétrica e veterinária, foi suspenso, devido à falta de estrutura dos laboratórios. A Controladoria-Geral da União apontou indícios de irregularidades em licitações, apuradas pelo Ministério da Educação.
Os alunos pedem anonimato. Integrante do Diretório Central dos Estudantes (DCE), Alcides (não divulgou o sobrenome) diz que existe um "processo de criminalização e perseguição". Procurada, a reitoria não se manifestou até o fechamento desta edição. A instituição divulgou um texto informando que 95% dos pedidos dos grevistas foram cumpridos.
Na análise do sociólogo Renato Cancian, doutor e pesquisador da Universidade Federal de São Carlos, a UNE se "esvaziou" na mobilização dos estudantes por não se "atualizar". "Trata-se de um aparelhamento político de uma organização que em épocas passadas representava os estudantes, porque foi capaz de articular reivindicações que tinham conexão com os problemas da universidade", afirma. "Não há nenhum projeto educacional de âmbito nacional adotado pelo governo federal que tenha nascido ou tenha sido desenvolvido pela UNE", diz Cancian.
O controle da UNE pelo PCdoB e a aproximação com o governo federal a partir da gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, fizeram com que um grupo de estudantes deixasse a entidade e formasse a Assembleia Nacional dos Estudantes - Livre! (Anel). Ligada ao PSTU, a entidade concentra sua atuação nas universidades federais do Rio de Janeiro, do Pará e do Rio Grande do Sul. " A UNE foi se burocratizando e perdeu a legitimidade nas universidades públicas", opina a estudante da UFRJ Clara Saraiva, dirigente da Anel. "Vimos problemas recentes no Ministério do Esporte e a UNE não fez uma manifestação contrária às denúncias de corrupção. Falta independência", diz.
O grupo Oposição de Esquerda preferiu manter-se na UNE, mas de forma crítica ao comando do PCdoB-PT. Esses alunos afirmam ter influência em importantes universidades públicas como a Universidade de Campinas (Unicamp), USP, a estadual de Maringá e as federais fluminense, do Paraná e do Ceará. Representante do movimento, a estudante Carolina Filho, de 24 anos, defende a autonomia em relação ao governo. "É uma entidade importante porque articula nacionalmente os estudantes, mas não pode se adequar às políticas do governo", diz Carolina, coordenadora do diretório central dos estudantes da Unicamp. " A UNE se tornou correia de transmissão do PCdoB. Apoia o Código Florestal, o Prouni, o Enem", afirma.
O PCO, que apoiou a ocupação da reitoria na USP, participa do Congresso da UNE, mas não tem dirigentes na entidade. "Nem queremos ter", diz Natalia Braga da Costa Pimenta, da juventude da sigla. "A entidade está distante da base", diz.
Os três movimentos, contrários ao comando do PCdoB na UNE e à proximidade com o governo federal, apontam críticas ao Prouni, programa de concessão de bolsas pelo governo em universidades pagas. "Isso fortalece a iniciativa privada. O governo deve investir na ampliação de vagas nas universidades públicas", diz Carolina, da Oposição de Esquerda. Eles são contra o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por o considerarem um sistema excludente de acesso à universidade.
A associação do PCdoB ao governo federal tem deixado o partido fora dos DCEs das grandes universidades, como mostra levantamento feito pelo Valor nas 20 grandes instituições de ensino superior do país. Apenas na Universidade Paulista (Unip) o presidente do DCE é do PCdoB.
Mesmo com a perda de protagonismo, o PCdoB continua a dominar a eleição na UNE. O presidente, Daniel Iliescu (PCdoB), foi eleito com 75,4% dos votos em chapa com PT de vice e composta por PSB, PDT e PPL.
Segundo um dos coordenadores do movimento estudantil do DEM, João Victor, o PCdoB começou a perder a eleição para os diretórios das principais universidades e focou as menores. "Usam as faculdades pequenas, do interior, que não tinham representação estudantil forte, para tirar delegados e levar ao congresso da UNE", afirma. "Aconteceu em instituições de Minas Gerais porque está crescendo uma reação nas universidades maiores contra a partidarização do movimento estudantil."
Para a eleição da UNE, as instituições podem enviar um representante com direito a voto a cada mil estudantes. "O DCE deveria fazer uma eleição para definir os delegados, mas esse é um processo burocrático e poucos fazem. O PCdoB aproveita e monta uma comissão de alunos para escolher os delegados, que, obviamente, são ligados ao partido", diz.
A União da Juventude Socialista (UJS), ligada ao PCdoB, faz ponderações às críticas apresentadas sobre a suposta perda de representação para grupos mais à esquerda. "Não existe inflação de ideias radicais nas universidades", comenta Renata Petta, da UJS. Irmã do ex-presidente da UNE Gustavo Petta, considera que a independência do movimento estudantil está mantida. "Não deixamos de reclamar contra o governo". A UJS tem mais de 100 mil estudantes e é o principal foco de atuação do PCdoB entre os movimentos sociais. Renata Petta ressalta, no entanto, que nem todos os integrantes da UJS são filiados ao PCdoB.
O PT, que tem a vice-presidência da UNE, reforça: "Não é porque somos base do governo que não dialogamos", diz o secretário de Juventude petista, Valdemir Pascoal. Procurada diversas vezes, a UNE não se manifestou até o fechamento da edição.
A participação de partidos políticos nos diretórios estudantis nem sempre é bem delineada. Em vários casos, apenas uma parcela dos estudantes é filiada. Por estarem habituados ao embate de ideias, acabam tomando a frente no processo, o que cria a impressão de que todo o grupo tem orientação partidária. "É o que ocorre na UFRJ. Dos 60 integrantes do diretório, quatro são filiados ao PSTU ou PSOL. Mas a marca que fica é de uma gestão dessa vertente", observa o estudante Ediones Heringe, ex-dirigente da União Estadual dos Estudantes do Rio.
Para Heringe, "extirpar o movimento partidário das universidades virou uma tendência", o que já se reflete em instituições. Beneficiada pela fragmentação de grupos de esquerda que tradicionalmente presidiam o diretório estudantil da Universidade de Brasília (UNB), a chapa "Aliança pela Liberdade" conseguiu 22% dos votos e se elegeu na contramão do discurso corrente no meio universitário, pedindo maior presença da Polícia Militar no campus, estímulo a parcerias público-privadas para financiar pesquisas.
Caso semelhante deu-se na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, onde a chapa "Voz dos Estudantes" conquistou este ano o terceiro mandato consecutivo. "Chega uma hora que os estudantes se cansa do aparelhamento partidário desses grupos, de gente de fora decidindo a agenda do DCE", observa Luana Carvalho, da gestão.
Fonte: Valor Econômico
Fonte: Valor Econômico
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